20 de abr. de 2012

Sobe e desce


Gabriela Goularte
@gabegou

Todos diziam que ele tinha subido na vida: depois de anos batalhando, conquistara destaque impressionável no trabalho, casara-se com uma mulher doce e tinha 2 lindos filhos, cada um com dois lindos olhos azuis. Nada de que ele pudesse reclamar, afinal, tinha subido na vida.

Subiu tão alto, que mal podia se abaixar para ver as crianças, mal podia se inclinar para beijar a esposa, mal tinha tempo para conferir se havia calçado os dois sapatos do mesmo par. Lá do alto não avistava os belos horizontes com os quais sonhara enquanto ainda vivia abaixo daquela linha que agora o separava dos infelizes que beiravam a linha do trem.

Não estava nas nuvens, mas sim no meio de uma neblina espessa, cinzenta e amarga. Se aquele era o gosto por ter subido na vida, então o jeito era descer. Já vinha há meses pensando em mudar-se pro térreo. Arrumou tudo o que precisava levar consigo em um maço de cigarro e uma caixa de fósforos. Afrouxou a gravata, tirou os sapatos e espreguiçou-se, aliviado e sorrindo como quem sabe que a missão havia sido cumprida. Despediu-se do copo de whisky, pousando-o no peitoral de sua "ampla cobertura, com piscina e duas vagas na garagem". 

Percorreu aqueles 110 metros que o separavam do chão com a certeza de que havia subido na vida, e então sua alma foi aos céus. 

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