26 de dez. de 2010

Mas Logo Vejo

a Poesia


Eu fujo do óbvio me escondendo nas simplicidades, nas situações do cotidiano. Vários MCs me procuram longe, nas profundezas de coisas pelas quais nem me interesso, e esquecem de dar uma olhada ali na esquina ou na rua de baixo. Esquecem que o Ritmo sozinho não é suficiente - nós dois somos um casal.

Mas prestem atenção no Mun-Rá. Estes dois jovens me acharam de forma certeira. Não pude fugir.




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20 de dez. de 2010

Kerst no Brasil.

Meu primeiro kerst no Brasil. Foi um ano muito bom. Conheci o país. Agora wonem em Porto Alegre. Que mooie cidade. Foi aqui que iniciei o meu blog e para isso chamei dois caras que conheci no autobus. @miroez e @pv_lopes, um com o domínio das rimas por causa da música e o outro com a ânsia de entender as relações humanas, respectivamente. Ambos fabicanos.
FABICO, que lugar louco. Nunca me senti tão bem em um lugar. Ainda escrevo um texto falando de lá.
2010 chegando ao fim. Que venha 2011 e seus muitos projetos.

19 de dez. de 2010

Ironia de Caqui

ramiro simch

O motociclo 125cc cortava o asfalto arroxeado, ao ocaso de um dia que não mais forneceria eventos anormais. Ou sim.
O focinho do táxi surgiu ali, descendo a rua transversal vindo da esquerda. Obviamente T. não ia precisar frear, tava na preferencial; o carro vinha devagar, certo que o motorista tinha visto ele e pararia a tempo. Ou não.
A dianteira esquerda do veículo maior beijou com paixão a traseira esquerda do menor. Os simples 20 km/h que o táxi desenvolvia evitaram danos maiores, mas T. ainda patinou vários metros até domar a moto, que já subia na calçada.
Susto, transeuntes, um brigadiano. O taxista de boné xadrez veio rapidamente, pedindo desculpas pela desatenção. Na real o cara tava no celular quando bateu, mas deixa quieto. Sem feridos. O automóvel tava intacto, e, incrivelmente, a motocicleta também. T. deu uma averiguada na amiguinha mecânica, parecia tudo ok. Nem valia a pena fazer o BO. Não foi nada, e, afinal, quanto menos polêmica com taxistas melhor. Todo mundo sabe disso.
Chegou em casa, a algumas quadras dali. Cumpriu a rotininha de praxe. Mais tarde, no sofá, assistindo lontras no Nat Geo, repassou o incidente na cabeça e até deu algumas risadinhas. Coisas da vida.
T. acordou na manhã seguinte. Cumpriu a rotininha de praxe, customizando-a ao comer um caqui. Desceu apressado pra ir pro colégio. Ops. Puta que pariu. Pneu de trás da moto desabado. Tinha rasgado no dia anterior, mas só foi murchar na noite. A roda tava meio desalinhada também. Que merda. Ia perder dinheiro considerável e ganhar dias a pé com isso.
Saiu pra rua depressa. Sem chance pra atrasos de ônibus hoje – precisava dar a prova final pra turma. Convocou um táxi, que já passava por ele célere. Entrou no banco de trás, desanimadaço, e indicou o destino. Foi olhar pra frente só com o “mas olha aí!” surpreso e teatralmente bem-humorado do motora.
O boné xadrez saltou aos olhos de T. O taxímetro ligado veio atrás. Putz.
Coisas da vida. Ironias, mais exatamente.

15 de dez. de 2010

Banco de Trás

pv_lopes




Final de uma tarde ensolarada, Seu Assis estacionado no ponto até a chegada de uma das suas fiéis passageiras. 
¾  Boa tarde Seu Assis.
¾  Boa tarde Dona Renata.
¾  Dona, o que é isso. Chame apenas de Renata.
¾  Tudo bem. Até aonde, Renata?
¾  Mostardeiro.
Enquanto o táxi seguia para o endereço pedido, Seu Assis notava em sua passageira um olhar distante, mergulhado em pensamentos.
Aquele banco traseiro já serviu várias vezes como divã, mas naquele momento ele preferia exclusivamente dirigir a conversar sobre o que preocupava Renata.
Até que ela quebra o silêncio.
¾  Sabe, Seu Assis, li um texto sobre o amor que esclareceu muitas coisas. Acreditamos que o amor é incondicional, mas o tempo está aí para provar o contrário. Pela nossa fé na incondicionalidade acabamos colocando-o à prova de tudo. Algumas vezes ele supera, mas o tempo é invencível.

9 de dez. de 2010

O Empalhador de Zebras - capítulo II

ramiro simch

Cai. Cai. Cai. Três de uma vez. Fuck yeah. Esse negão é bom de mira – a guerra é o melhor curso técnico pra essa raça.
Moïse Tshombe tá nesse esquema a meu serviço, assim como o animal tá no mundo a serviço do homem. Mérito natural e lógico – bichos nem pensam, nós sim. Só que tantos imbecis discordam disso e defendem a fauna que acho que são irracionais também. Filhos da puta.
Vacas me alimentam, cachorros divertem meu filho, e essas merdas aqui na carroceria decoram museus, escritórios e até a sala da tua casa, se tu pagar. É brega pra caralho. E eu sei que tem coisas com animais mais lucrativas na África, mas já faço dinheiro suficiente com meu negócio oficial aqui. Sou Franz Matsambackers e mato zebras porque gosto.

**

27 de nov. de 2010

O Gamo-Rei

ramiro simch
Desço.
Só quero um copo de água. A luz acesa nas escadas entrega pouca visibilidade à sala, mas isso não me impede a leitura perfeita da Criatura situada pouco à frente. De fato, o escuro parece favorecer Sua visualização.
É um Animal fabuloso, o corpo perfeito criteriosamente estirado no piso de madeira, medindo quase dois metros da cabeça à ponta da cauda. A língua áspera de lixa 80 penteia com força e cuidado a pelagem dorsal – operação que exige do pescoço aquela contorção surreal típica de qualquer gato doméstico.
Os pelos são brancos e pretos; o Bicho é um yin yang bestial. Pretendo chamá-Lo de Carvão-e-Neve, mas é melhor não. Gamo-Rei. Jamais vira ou imaginara tal Ser, mas fitando-O sei logo que esse é o Seu nome, ou o nome da Sua espécie, ou da Sua classe angelical.

Gamo. Não É nem de perto um cervídeo. Se enquadrado na nossa obsoleta sistemática, é um felino, à Sua moda. A denominação roubada, porém, soa adequada - talvez esse seja o significado seminal da palavra, e o outro um engano.
Rei. Sim, certamente. Pleno sentido do termo aqui.
O Gamo-Rei me ignora. Sabe de mim muito antes de eu vê-Lo; me sabe desde que nasci. Domina a situação, e Sua malícia é aterradora.
Só que algo já não é igual. No cosmo interno do Gamo, alguma coisa O alerta de que eu, no caso, sou eu. Ele já não é capaz de me deixar de lado, e me olha com Suas infinitas vistas verdes ou amarelas. Como sei não sei, pois agora não O enxergo - tenho a cabeça entre as mãos, e os olhos fechados.
****
Eu nunca chego ao copo de água.
Subo.


25 de nov. de 2010

O Empalhador de Zebras - capítulo I

Ana Elizabeth S. de Azevedo
@anabebeth


      Amanhã eu parto para a África. Talvez tu possas perguntar o que eu, uma mulher influente no mundo da cultura, ainda mais a brasileira, vai fazer na África. Bem, como era de se esperar, sempre elas, as zebras.

    Até hoje não entendi direito o motivo que fez o meu avô cuidar e ter algumas delas naquela fazenda no sul, mas posso dizer que o amor cresceu dentro de mim de uma forma meio inexplicável. Eu amo zebras desde que me entendo por gente. O fato é que a notícia corre, e a notícia é que a caça às zebras está tomando proporções desenfreadas por lá e é pra lá que eu vou.

    
    Desembarquei na República Democrática do Congo semana passada e de alguma maneira consegui chegar na aldeia da minha grande amiga Kenya, que conheci numa Conferência dos Amantes de Línguas Estrangeiras há alguns anos na Romênia. Kenya é uma mulher elegante que teve a sorte de poder estudar e conhecer a vida longe da aldeia. Ela conheceu e voltou. A história dessa aldeia é impressionante e muito rica, mas isso eu conto depois.
    O lugar é mágico. Em meio ao caos da fome e da miséria, o sol toma conta da savana e ilumina cada cabana com um dourado puramente africano. A natureza machucada e, ao mesmo tempo, abençoada pelo calor do sol, torna a minha visão uma pintura da parede da sala do meu avô. Ainda não vou falar do pôr-do-sol africano, pois sinto que ele vai me acompanhar e fazer parte de vários momentos nessa viagem. 
    O marido de Kenya me contou que Moïse Tshombe, seu sobrinho, está trabalhando para um médico austríaco que, diz ele, teria algo a ver com a queda do número de zebras no Congo. Olha, eu realmente não sei o que um médico austríaco tem a ver com zebras, mas já não fui com a cara desse cara.



15 de nov. de 2010

água dura em pedra mole




ramiro simch


já sei
que água
é
líquido

mas

- mil perdões -
aquele tsunami
pareceu bem
sólido











12 de nov. de 2010

El Funebrero

Sábado fui ao La Cueva, o melhor after hour que conheço. O DJ residente tocou uma track fantástica! Não há como defini-la em um estilo. Electro, Chillwave. Não, essa música rompe as fronteiras de qualquer estilo.
Há apenas uma definição para ela: surreal.
Quando o DJ acabou seu set fui perguntar de quem era a música. Ele tinha apenas uma informação. O produtor é um cara chamado "El Funebrero". Apenas um nome, sem nacionalidade, influências, trabalhos anteriores. Nada pode ser mais vanguardista que isso.





Dona Júlia

pv_lopes


A vida precisa de boas histórias. E ninguém consegue contá-las tão bem quanto o Seu Assis, taxista do ponto na esquina da rua José Otão com a  Garibaldi.
Um dia desses ele falava de uma passageira. Dona Júlia, professora aposentada, brizolista fervorosa. Seu Assis a leva todas as terças para o encontro semanal com as amigas na Casa de Cultura. Mas na última terça o destino foi outro.

¾ Boa tarde Dona Júlia.
¾ Boa tarde Assis.
¾ Dia perfeito para tomar aquele café na Casa de Cultura, Dona Júlia.
¾ Perfeito mesmo, Assis. Mas hoje tu vais me deixar em outro lugar. Na sala Redenção.
¾ Cineminha, Dona Júlia. Qual é o filme?
¾ Hoje vamos ver - sussurrando - "Carne Trêmula".





6 de nov. de 2010

FIM

Ramiro Simch

Dia 31: sua primeira vez. Foram votar todos juntos.

Todo o ideário político da família pairava sobre ele; o dominava sem agressividade, tranquilo. Era ponto pacífico, estabelecido não-oficialmente: votaria igual eles.

(Seus irmãos já passaram por isso, tudo bem.)

Parou defronte à urna. Por que não? Que pensamento explosivo.

Digitou o número do outro candidato e confirmou. Ato subversivo silencioso.

Deu. Era um rebelde, um terrorista secreto no banco de trás. Seu pai, a um metro de distância, morreria - dezesseis anos depois - sem desconfiar.