26 de dez. de 2011

Tudo tem seu tempo

@pv_lopes

Há tempo para tudo. Precisamos apenas ter a paciência necessária para compreender isso.

Agora é o tempo de pensarmos coletivamente. Tempo para desejar bom dia ao vizinho, para colaborar com alguma causa que lhe faça sentido.

Tempo para entender que pequenas ações podem gerar grandes mudanças.

11 de dez. de 2011

O primeiro. O segundo.



O primeiro começa com uma cama rangendo e algum suor. O segundo passa as horas transformando-se em  fóssil e desfazendo-se em pó. O primeiro sente-se satisfeito e de certo modo até confortável, embora não faça ideia de que está discutindo com um vaso de flores. O segundo ainda espera que esqueçam seu rosto numa pequena cidade da Bahia. O primeiro afasta as cadeiras pra vomitar e consegue cambalear até o sofá. O segundo sente-se forçado a abandonar a casa de três andares dos pais por achar que não saberia como lidar com eles depois que as notícias da sua viagem chegassem até os ouvidos deles. O primeiro não sabe, mas tem um tumor qualquer em alguma parte do corpo que irá parar de funcionar e matá-lo depois de um ou dois anos de internação. O segundo perderá a vida durante o sono e passará seus últimos 11 anos de existência tentando deixar algum traço da sua personalidade no seu sobrinho. O primeiro consome um fim-de-semana inteiro na cama lendo On The Road pela segunda vez. Faz 4 refeições durante esse tempo. O segundo sente-se atraído por louras de salto alto maiores do que ele mesmo. O primeiro descobriu que tem um filho de dois anos há três dias. O segundo espera calado até que seu terceiro inquilino do ano acalme a esposa para lembrá-los de que o aluguel está atrasado. O primeiro perde bêbado o último ônibus de um domingo de céu sem estrelas. O segundo esquiva-se de entregadores de folheto como se tivessem facas nas mãos.

O primeiro vê seu futuro nas lápides do Père-Lachaise. O segundo sequer lembra de que está vivo.

10 de dez. de 2011

"Literatura


Desde que aprendeu a ler a palma da mão, Íris vai até a rodoviária recolher prosa das pessoas que acenam aos que partem.
E versos aos que chegam.
"



8 de dez. de 2011

Faz sempre boa noite


Ilustrações de destaque, design arrojado e fotojornalismo são alguns dos esquemas trazidos à imprensa brasileira por O Cruzeiro, potente revista que circulou de 1928 a 75. Pertencente aos Diários Associados, o negócio morreu na decadência do império de Chateaubriand, mas fez escola.

O site Memória Viva faz um trabalho muito massa de recuperação desta e de outras clássicas publicações. Dá uma olhada! D'O Cruzeiro, tão disponíveis os conteúdos completos de várias edições, incluindo a seminal e a derradeira. (O mais engraçado é um editorial da última edição que jura aos leitores a continuidade da revista.)

A seção "Propaganda" é uma das melhores do site. Tem dezenas de anúncios perolados que passaram pelas páginas d'O Cruzeiro, dos anos 20 aos 60. Bem divertido, tanto pros estudantes de publicidade (meu caso) quanto pros vagabundos (meu caso). Hoje tô útil.

boquinha de cemitério
sempre boa noite
             
                 
estará maluco??? ~ não ~ mal humorado
    
motivacional
                           

5 de dez. de 2011

Hélio Leites


Marcel Duchamp disse que a arte é aquilo que o artista diz que é arte.
Ela vem daqueles que conseguem ver a vida sobre outra perspectiva.

Olhos como o de Hélio Leites.


2 de dez. de 2011

Quando ela o vê


Eis a cena que se passa em frente aos meus olhos e à minha alma.
Qualquer um poderia pensar numa cena de guerra, dirigida por Coppola, vinda direto de Apocalypse Now. Seria um equívoco, mesmo ela possuindo um ferimento fundo, vermelho vivo, aberto abruptamente em segundos. Seu peito aparece estilhaçado e ela, estupefata, mal consegue respirar. Essa cena se repete várias vezes, até no mesmo dia. Me pergunto o porquê da extrema violência. Mal sei eu, ao vê-la naquele estado, que está feliz. Ora, quem supõe que viver um romance é fácil? Cada vez que o vê, seu coração salta de maneira tão feroz e, como um ímã, é puxado em direção a ele. Simples, dessa maneira tão ferrenha. É sempre uma batalha para trazê-lo de volta. O suficiente vem, mas um bocado significante de seu coração sempre segue com ele. A sensação é de completa impotência. Ela o pertence por inteiro, não há o que fazer. Resta a esperança de que ele cuide daquele frágil e louco coração que é capaz de protagonizar tal cena, que chega a assustar meus olhos e minha alma pela tamanha paixão que carrega.


1 de dez. de 2011

Swing grande



Vai vendo!
Já falei dos Novos Baianos por aqui, mas é impossível não voltar a eles de tempos em tempos. Sublime.
É mais ou menos isso que me embala nessa madrugada. Eu não marco touca!


24 de nov. de 2011

Agora és poesia

@gabegou

Não conseguia lhe dizer nada, nem palavras ou lágrimas, e sua expressão vazia era um espelho. Porém eu já não me reconhecia. Naquela mistura veloz de sentimentos, sentidos, paisagens e personagens, tudo o que lhe via refletir a face era uma tentativa, um quase, uma capitular reticente esperando ser resgatada da solidão.

De repente, me vi em abrupta queda sobre a sua pele lisa e fria, e aquele toque, inacreditavelmente suave, foi o encontro mais profundo entre superfícies.

Aí então já éramos parceiras na dança do destino: meus passos ritmados definiram que, finalmente, ela era uma poesia.

Dia de estreia

Hoje é dia de estreia!
A partir desta data teremos a companhia de Gabriela Goularte no blog. E já começa em grande estilo.


Gabriela, Welkom terug.


Embrace.

23 de nov. de 2011

Eu não imito não duplico não repito nada do que dizem os que dizem mas não dizem nada

Ramiro Simch
@miroez

Nada além de fast food, computador e cadernos. Canetas Bic vazando e sujando os dedos, bonés New Era no carpete. Neurônios vazando e sujando o mundo. O cômodo apertado pra tantas ideias, mas mais cômodo que nunca. Cérebros funcionando vinte e quatro horas por dia, em busca da rima rara.


21 de nov. de 2011

O Sal Tupinambá

@pv_lopes

Uma verdadeira aula de ética e honestidade.



Carona

Ariel Engster
@ensta

Porto Alegre sob chuva, vento frio e forte. Segue o rapaz pela avenida escura da noite e clara da luz dos carros e das casas. De vez em quando um ônibus passa perto e ameaça jorrar a água duma poça. Ele, contudo, nada percebe, a cabeça voa longe. No cruzamento, ela aparece, molhada, linda em sua morenice, tentando inutilmente escapar da chuva. E ele, solícito:

“Quer carona no meu guarda-chuva?”


10 de nov. de 2011

Sonhar Desperta

Juliana Moreira
@jubii_

Sonhei que todos os personagens que já criei se reuniram para me dar conselhos. Havia os que se exaltavam; outros que gesticulavam serenamente um "tudo bem". Outros não se preocupavam e ainda havia os que já esperavam o pior.

Eu os escutei com atenção. Primeiro, para me distrair de uma dolência que me atacou nestes dias. Depois, porque pude ouvir o que havia depois que eu os abandonava nas narrativas.

Aí eu comecei a contar a minha história. Todos me escutavam com atenção, porque gostariam de saber como entraram na minha vida.

E chegando aqui, não sabia mais o que dizer.

- Então escreva! - alguém gritou ao longe. E acordei.


9 de nov. de 2011

Remo - 1

 Ramiro Simch
@miroez

“Que lêndea, eu sou um imbecil mesmo”, pensava Remo enquanto singrava rapidamente as calçadas escuras. “Além do sacrifício normal eu ainda fodo comigo mesmo mais ainda. Que mão”. Havia cochilado na lotação voltando para a zona sul de madrugada após umas e outras, e acordara oito paradas depois da sua. Pelo menos ébrio o rapaz caminhava distâncias gigantescas sem tanto esforço. Ele costumava comentar essa habilidade com alguém, sempre que possível.

Não teve saco nem pra admirar as ruas desertas, prateadas, como usualmente fazia.

Após umas quinze horas fora de casa, o rapaz retornava. O dia fora cansativo, e só um pequeno período de sono o separava do novo despertar. O quarto dividido com o irmão Rômulo estava abafado. “Rômulo e Remo”, a big idea de seus pais. “Pelo amor de Deus, que lêndeas”, raciocinou pela milésima vez. Amassou o travesseiro e roncou.

Acordou ainda mais cedo do que planejava, com o banjo de Ten Million Slaves emanando do velho Nokia. Número desconhecido. “É sete e trinta e oito da manhã, lêndea.”

- Alô.
- Bom dia, é Remo?
- Sim. Bom dia. Quem fala?
- Remo, meu nome é Marisa e eu estou ligando pra te convidar pro sucesso.
- Hã?
- Isso mesmo. Vou te passar o nosso endereço, se tu puder anotar: (...)

E desligou. “Que porra é essa, velho?” - Remo ficara nervoso. “Bom, vou certo”.


4 de nov. de 2011

Éle

Ana Elizabeth Soares
@anabebeth

Lendo longe
Lindo livro livre

Logo ligo
Lugares
Lacunas
Lampejos lisos

Lote lento
Limpo
Luto

Luto limpo
Laço lábia
Lanço lixo

Leio
Lenço
Labuta

Largo

Lá luz latente
Lua
Luz lúcida
Linha

Última

2 de nov. de 2011

Sr. Vaiquevai

Ramiro Simch
@miroez

Sr. Vaiquevai andava
Todo dia, sem faltar
Todo o dia, até o ocaso
Toda a rua, sem pular

Mas, um dia, Vaiquevai
Caminhou até o cartório
E ao notário proferiu:
- Nome próprio vou mudar!

E de Vaiquevai Quevai
Se tornou Sr. Nadão
Que não anda mais pra nada
Tudo agora é natação

31 de out. de 2011

Sonho Brasileiro

@pv_lopes

Gostaria de compartilhar a recente pesquisa lançada pela BOX 1824. Pode parecer que não tem muito a ver com o que vem compondo as segundas-feiras, contudo grande parte do blog está nessa fase da vida. Lívia, Joana, Nicole e  muitos dos leitores do Coelho Holandês.

Enfim, chega de enrolação:



Sonho Brasileiro_Manifesto from box1824 on Vimeo.

28 de out. de 2011

Histórias do Mundo ao Avesso

Gabriel Oro
@gabriel_oro

Mark Twain disse uma vez que a diferença entre a realidade e a ficção é que a ficção tem que ser crível.

Em uma das saídas de Porto Alegre existe o que deve ser um dos casebres mais miseráveis que esse mundo já viu. Pouco “casa” e muito “ebre”. Em dias de chuva, não acredito que o seu interior fique muito mais seco que a parte externa. Na verdade, quando o vi, a impressão imediata foi a de que um cavalo bem alimentado poderia derrubar toda aquela estrutura usando uma pata só. Talvez por isso o cavalo preso a uma carroça em frente ao casebre fosse tão qualquer outra coisa, menos bem alimentado.

O lugar tinha na sua orla uma criança barriguda que brincava balançando um pedaço de pau com uma corda na ponta, certamente feito pra açoitar pele e osso daquele cavalo cabisbaixo. Havia também, na janela, uma senhora de olhar perdido, que já nem fazia ideia de quantos anos tinha, muito menos de como ainda os tem.

E havia também, no centro daquilo tudo, uma grande placa vermelha, limpa e reluzente, com o logo da Coca-Cola e o belo slogan: “Viva o lado Coca-Cola da vida”.



27 de out. de 2011

O Empalhador de Zebras - capítulo VI

Ramiro Simch
@miroez

O sono dela é tranquilo como o de uma zebra. Deve ser porque apliquei um pouco de sedativo animal. Veio mortinha da savana até aqui. A brasileira é bonita, pena que é metida a proteger bicho. Achei desenhos e poemas nas coisas da artistinha wannabe.
Sem sentimentos, o jogo não permite. Ela quer foder meu esquema em vez de cuidar da própria vida. Não tem nada no mundo que me irrite mais que gente intrometida.
Essa lareira tá me matando, e isso é bom. Quanto mais desconfortável a situação dela for, melhor. Vamos assustar um pouco essa vagabunda quando acordar.

– –

Sou desperta pelo calor insuportável que preenche o aposento. A lareira está acesa, o que eleva a temperatura a níveis doentios. Estou em um quarto, que parece pertencer a um hotel de quatro ou cinco estrelas.
Sem a menor ideia de como parei ali, recosto-me na cabeceira da cama alta e confortável, guarnecida de lençóis brancos e vaporosos. À esquerda, uma grande janela deixa ver uma metrópole estendendo-se ao redor do edifício. Só pode ser Kinshasa, a capital do Congo! Será que estou sonhando, dormindo em minha cabana?
Respiro devagar, tentando raciocinar entre os pulos do meu coração. O pânico cresce, e tento enfrentá-lo com lembranças de meu avô e das zebras. Esforço-me para romper o bloqueio que esconde os acontecimentos, mas a tarefa é árdua demais. Pareço dopada.
Viro o olhar à direita, finalmente. Matsambackers está sentado em uma poltrona, a uns dois metros, me encarando.


**

capítulo I
capítulo II
capítulo III
capítulo IV
capítulo V

24 de out. de 2011

Ilusões a prazo

@pv_lopes


Lívia conheceu um cara bem legal. Ele parece ser o mais próximo do companheiro ideal. Inteligente, divertido, seguro. Faz duas semanas que se conheceram e se encontram quase todos os dias.
Já tomaram suco na Lancheria, já foram ao Ocidente. Já curtiram as fotos juntos no facebook. Já fizeram várias juras ao pé do ouvido. Parecem estar juntos a séculos. 

Ela trocou o livro pelo msn. A bicicleta pelo sofá da sala. Acredita que vai trocar a vida por uma nova. Ele sempre a chama pelo nome, a cada encontro tem uma surpresa.

Cuidado, Lívia. O disco em comum não corresponde à boa vida a dois. Não compre ilusões a prazo. Não confie seu tempo a quem não merece.





Mais momentos de Lívia

22 de out. de 2011

Ariel Engster
@ensta

Certa vez uma moça acordou no meio da noite, sobressaltada. Sentia seu corpo morno, sentia um peso que não era seu. Levantou-se, sem saber por que, deu um passo, sem saber como. E deu-o como se fosse a primeira vez que o fazia.

A este passo seguiu-se outro e mais outro. Assim, tão de repente como despertara, caminhava. Era pouco, mas já podia dizer que criara coragem de andar. Afinal, poucas coisas são tão difíceis quanto caminhar no escuro. E, veja só, parecia estar feliz naquele momento. Cada pé contra o chão era um beijo de amor, e era disso que ela precisava. Sem nem notar, já estava correndo.

Contudo, não se pode fugir a contratempos. Aos poucos, notou que seu corpo cansava. A moça, enfim, esqueceu da felicidade dos passos e entregou-se à fatalidade do incômodo. Fora pega pelo seu pior inimigo: ela mesma. Se ainda fosse voar, em vez de caminhar…

Voltou e fez com que tudo parecesse como é para os comuns: um sonho. Dessa forma não correria mais o risco de cansar-se novamente. Deu-se por contente com uma ilusão (sem tigres, nem coleópteros).


20 de out. de 2011

Ramiro Simch
@miroez

Quem não tem mais o que dizer,
Vai dizer algo por dizer.
Quem tem muita coisa pra dizer
Também tem muito em que pensar,
Por isso vai deixar de dizer.
[Só não pode deixar de tentar.



17 de out. de 2011

Kids

@pv_lopes


Sei que o dia das crianças já passou, mas eu não poderia deixar de postar esses dois vídeos. 





14 de out. de 2011

sobre a figura mais melancólica que eu já vi


Paulo H. Lange
@ph_lange

E quando eu sentei na frente da loja - te contei essa, einhô... Hein, cara, te falei da vez que eu vi o velho na frente da loja? Tá... Então eu tava acompanhando a minha namorada e a sogra, foram comprar roupas. Coisa de mulher, obviamente eu tirei os fones do bolso e sentei do lado de fora. Aí eu levantei os olhos devagar e de repente vi a figura mais melancólica que eu já vi. Foi um susto mesmo, sabe? Tu olha pruma pessoa e sente tanta pena que dá vergonha. Depois de uns 30 segundos, percebi que eu tava encarando ele com uma cara tão séria que se ele me visse, era capaz de achar que eu era um psicopata, ou coisa assim. Pra ajudar, o Mick Jagger tava dançando na minha orelha me dizendo coisas como "You can't always get what you want" e quando eu troquei de música pra não acabar com o meu dia que já tinha começado mal numa vitrine de boutique feminina, surge um Nick Cave sussurrando pra mim "hold on to yourself". Porra, eu tava sem saída e achei que aquilo era um sinal. Não acredito em nenhuma superstição, mas quando alguma coisa convenientemente se encaixa, é como se Deus tivesse dado um toquinho no meu ombro e quando eu virasse de volta depois de ver que não foi ninguém, eu percebesse alguma coisa incrivelmente óbvia na minha frente. Então eu fiquei ali pensando no velho.   

Era um senhor numa cadeira de rodas com uma esparadrapo na veia do braço e fumando um cigarro no canto da vitrine, uma vitrine enorme com um letreiro enorme e um velho fodido largado no canto, que provavelmente já serviu de mictório público em algumas noites. Não tô querendo te deixar pra baixo, mas é que essas coisas ficam na minha cabeça, eu vejo que sem exagero tenho uma tendência a ficar que nem ele. Pra começar, ele tava fazendo a mesma coisa que eu, esperando as filhas, sobrinhas, netas... E de lado, ainda, porque a calçada era inclinada... Imagina, nem pra esperar a morte tu pode escolher uma posição!

Ultimamente tenho percebido bastante essa minha obsessão com perdedores. Não que eu realmente ache que vá ser um, mas porra, a vida é uma coisa tão incrivelmente grande, qual é a desse pessoal? Por que vocês me fazem escrever sobre gente que morre sem ter sido especial pra ninguém, ou já foi, mas essa outra pessoa morreu antes e ele termina tipo uma sombra no entardecer, esperando pra se ajuntar com o resto da mediocridade humana e fazerem juntos uma grande sombra que cobre o mundo todo e se juntam, na verdade, pra ficarem mais invisíveis ainda?

É essa porcaria de Nick Cave, preciso parar de escutar esse cara.


10 de out. de 2011

Pedalada até o Gasômetro

@pv_lopes


Queria mudança. Não sabia ao certo o que mudar, apenas que algo precisava ser feito. Sentia a necessidade de ter uma vida melhor para si e para as pessoas que viviam ao seu redor.
Aquilo a deixava inquieta, há vários dias afundava nas inquietações da incerteza, quase sempre com os olhos marejados.

Ações colaborativas começavam a chamar a atenção de Lívia. Decidiu buscar mais informações sobre o que fazer, em qual área podia participar.

Precisava andar pela cidade, mas para isso queria liberdade. Comprou uma bicicleta. Depois do almoço colocou uma bermuda jeans, all star branco que combinava com a camiseta e óculos de sol. Montou em sua bicicleta e seguiu em direção ao Gasômetro.

Atravessou a Redenção, passou pela Cidade Baixa e chegou ao destino. O cheiro da pipoca doce sempre trazia boas recordações. 
Passar aquelas horas ali fez bem a ela. Faz bem a maioria das pessoas. Conhecer a si facilita o entendimento do outro. 

7 de out. de 2011

Ney aí

Ramiro Simch
@miroez

Luiz Ney acordava. Aguava o rosto, punha roupa e saía. No ombro o caixote aninhado, pesado. Os moradores da Rua Águia sofriam: o que vai dentro do baú do Luiz Ney?

Passeava garboso, leve rebolado, elegante apesar do fardo. Não cumprimentava vizinho nenhum. Era só queixo empinado e autossuficiência, até alcançar o nono número da rua (vindo de lá pra cá).

Na frente do sobrado vermelho ele abria um sorrisinho, suingava mais ainda, e de sobrolho focava o rapazote debruçado na sacada. Este retrucava com malícia equivalente, analisando dos tornozelos ao rabo de cavalo o cabeleireiro atlético. Tais rituais de platonismo amoroso duravam só os cinco segundos necessários para Luiz Ney chegar às lajotas de basalto da próxima casa, mas eram intensos.

Logo Luiz Ney voltava ao normal, reignorava o mundo e a mocinha que também o observava com desejo. E lá se ia com o caixote. As velhinhas da Rua Águia achavam uma indecência provocar tanta curiosidade.  

3 de out. de 2011

Amor literal

@pv_lopes

Ao ver esse vídeo lembrei das figurinhas "amar é", que fizeram
parte da infância de muitos de nós.

O vídeo é singelo, como o sentimento.

29 de set. de 2011

Agonia no apartamento 4 do conjunto habitacional

Ramiro Simch
@miroez

Tomei Nescau e fui deitar.

Não é tão simples. Esse diminuto ritual foi crivado de medo e taquicardia antecipados, temor da angústia vindoura inevitavelmente com o escuro e o travesseiro.

Meu coração sacolejava tão alto que meus ouvidos doíam. Por que eu era assim? Por que eu era tão fraco a ponto de fazer sala a pensamentos-sentimentos-sofrimentos como aqueles que caminhavam em mim? Eu estava totalmente indefeso.

Era como me jogar de uma grande altura espontaneamente, ou enfiar a cabeça na boca de uma onça. Minha mão tremia enquanto pressionava o interruptor e o quarto era abraçado pelo preto.

Pela manhã, a tristeza traduzia-se no lençol suado e no cansaço doentio. A inabilidade para findar tudo era o mais doloroso.

Num dos bairros mais violentos da cidade, eu fui um recém-nascido emocional.

26 de set. de 2011

Estar

@pv_lopes

Estar perto não é físico. É estar presente nos pensamentos. É alimentar um sorriso em frente ao espelho.
Estar perto é ficar lado a lado, frente a frente. É correr para acabar com a distância. É ficar longe e contar o tempo para reencontrar.

A distância não é contada em quilômetros, mas em níveis de importância. A pessoa ao lado pode estar mais distante que um bate e volta ao fim do universo. 

Estar perto não é físico. Estar perto é mágico. É sentir a presença ao fechar os olhos, é sentir o cheiro ao deitar, é arrumar a cama para esperar.

Estar perto não é físico.


23 de set. de 2011

Três Marias

Ariel Engster
@ensta

Não se sabe quem construiu a casa das Três-Marias. Feita de cavacos de laranjeira, nas janelas madeira de macieira. O telhado de telhas feitas nas coxas de escravos.
A casa não devia este nome à bonita flor três-marias, mas a abrigar três bonitas moças, jovens flores de nome Maria.
A Primeira Maria, de cabelos vermelhos e vasto sorriso, tinha para si um cômodo na frente da casa. A janela dava para a rua e quem por ali passava podia sempre ver Primeira Maria sentada numa grande cadeira de couro vermelho com algum livro nas mãos. Um livro nas mãos, centenas em volta. Primeira Maria chamava seu cômodo de Minha Biblioteca.
Foi um escritor com ares de intelectual - dizem que era argentino. Levou a Primeira Maria consigo e nunca mais se ouviu falar dela - embora haja suspeitas de que algumas das personagens dos contos que ele escreveu dali pra frente são, na verdade, retratos de sua amada.
Sozinha no sótão, escondia-se à sombra duma santa a Segunda Maria. Sorria pouco, mas muito sentia: sofria o sofrimento de um mundo inteiro. Sangrava as chagas alheias e sabia que só havia uma solução: sagrar sua vida a serviço do Senhor. Salvou sua alma da safadeza do mundo, numa silenciosa sexta-feira de setembro.
E havia ainda Última Maria. Sem talento pra cousa alguma - ou pouco pra todas as coisas. Sem beleza exorbitante, nem inteligência além da conta. Sem centenas de amigos, mas com uma meia dúzia que valia por muitos. Sorria a quem lhe sorria e cantava, às vezes, quando estava sozinha. Última Maria era benquista na vizinhança, recebia flores de Dona Tácita, a velha-louca do bairro. Participava da quermesse e sempre ajudava na cozinha. Ria das bobagens dos garotos da rua e não se negava a ajudar na brincadeira. Última Maria era um amor de pessoa - e nunca foi amada por ninguém.
Não confessava a tristeza que a abatia de vez em quando. Principalmente depois que as outras Marias se foram e que a casa de Três-Marias só guardou o nome. Os ecos que ouvia eram o que mais a incomodava: sinal de muito vazio. Conversava em voz alta pra fingir companhia - ria das próprias piadas. Chamava a si mesma de boba, cabeça-nas-nuvens. Dizia que só estava querendo apressar as coisas, que logo aí estaria o Seu Homem e que ele, ao custo de tanta demora, seria o melhor que ela podia querer.
Mas o Seu Homem não chegava. Última Maria ia sendo consumida pelos romances que criava em sua cabeça e por aquele pranto que vem à noite por sentir o frio e não ter quem a envolva, quem lhe dê um último beijo de boa-noite e fique ali deitado ao lado dela, tendo-a em seus braços, fazendo carinho com seu quieto amor. Sabia que de nada lhe valia lamentar-se, nem tampouco sentir pena de si mesma. Ia ter fim, a solidão ia ter fim!
Quis ser esperançosa, mas isso nunca fora de seu feitio. Inventar possíveis pretendentes passou a ser seu divertimento. E lá vinha Ernesto, futuro advogado, futuro juiz, quem sabe? Ou Seu Gomes, que não era bonito, mas tinha um bom emprego e era carinhoso como só ele. Por vezes, era Vadinho, aquele baiano, amigo do Dr. Amado, era viciado no jogo mas tinha fogo correndo nas veias e a fazia se sentir mulher mesmo, daquelas que fazem valer o tamanho da cama.
Última Maria se apegou à janela na qual um dia Primeira Maria se debruçara. Jogava ao ar mil sorrisos e olhares sempre que passava um homem com ares de solteiro. Entregava-se tanto a essa tarefa que virou motivo de troça nas redondezas: as risadas já não eram dos garotos cujas bobagens a divertiam; esses já haviam envelhecido. Eram agora os filhos desses garotos os que riam da velha-namoradeira-sem-vergonha pendurada na janela. Ela gritava que não era namoradeira, que não era sem-vergonha! E ela percebia, enfim, que era velha, que fora consumida pelo tempo, pela tristeza, pela solidão. Última Maria sentia-se a única infeliz no mundo todo. Rogava pragas a todos os homens, blasfemava, jurava ser castigo divino!
E então lembrou do antigo e humilde altarzinho que Segunda Maria fizera e ao qual tanto se devotara. Por onde andaria sua irmã? Em que cafundó desse mundo se enclausurara? Abriu o sótão tanto tempo esquecido, viu a santa, ainda no mesmo lugar. Riu-se, lembrando que exigiu de Segunda Maria que deixasse a santa com ela, acreditando que a irmã desistiria da loucura de entrar pra Igreja se fosse obrigada a se separar de sua santinha. Não adiantou. Agora era Última Maria que se jogava aos pés da imagem, que se ajoelhava e pedia Deus, me ajude! Minha Santinha, olhai por mim!
Os vizinhos ouviram um choro, depois berros. Houve barulho de louça se quebrando, houve barulho de vidro se espatifando no chão. Segundo dizem, o fogo começou pelo alto e logo se espalhou pela casa inteira. Um doce cheiro de laranjeira invadiu a rua, causando espanto nas gentes. Muitos correram com baldes cheios d'água na vã esperança de apagar as chamas. Alguns homens se ofereceram para entrar na casa e tentar resgatar a velha louca, mas nenhum pôde. Um último urro de Última Maria calou a todos. Com o derradeiro grito, cada um que via o infeliz espetáculo sentiu um pequeno pedaço da dor de Última Maria - e esse pedaço foi, para cada um, a maior dor que já sentira.
Ainda ouviu-se uma senhora comentar: "Lembram de Dona Tácita, a velha louca?

21 de set. de 2011

Té mais

Ramiro Simch
@miroez
tu vai?
também.
tava ali,
te disse.
te ligo?
tá bom!
te amo.

17 de set. de 2011

Alheio

Paulo H. Lange
@ph_lange

Vi que as coisas estavam perdendo o controle quando ele começou a mijar no meu pé.
Senti na lona do All Star um quentinho me umedecendo e subindo à cabeça um pouquinho de raiva. Quem era mesmo aquele filho da puta?
Quando entrei no bar, ele me cumprimentando tão energicamente, apertando minha mão como um garotinho testando o limite dos encaixes do seu brinquedo novo. Simulando a embriaguez mais óbvia que eu jamais tinha visto, e assim mesmo, acolhi os abraços demasiadamente afetuosos com uma receptividade tão natural quanto um um tapinha no pênis como prova de gratidão por sexo: seria um tanto constrangedora, mas doce. Eu já não estava no meu maior pico de sobriedade... Mas ser recebido tão calorosamente no seu bar preferido, onde todo mundo já se falou ou pelo menos se viu algum dia, me fez sentir tão acolhido que eu fui obrigado a retribuir tamanha gentileza. Paguei uma para cada mesa, e todos levantaram os copos e interromperam suas conversas para reconhecer a minha magnanimidade num sorriso mais do que satisfeito, e uns ainda me cumprimentaram, de longe. Comecei a entender esses velhos que vivem nos bares.
Assim que eu consegui me sentar de frente pro balcão (sou daqueles que espera a companhia chegar, não que a oferece) o querido anônimo atrasa o percurso de balcão-boca do uísque com uma chacoalhada no meu ombro; olhei pro barman com os olhos entreabertos, mandando um sinal de fumaça, poderia haver fogo. Um aviso cortês, dizendo que não ia me responsabilizar. O barman respondeu com os olhos amistosos: "ali fora."
A princípio, me pareceu só mais um daqueles bêbados socialistas que viramos depois de virar uns copos. A embriaguez é um estado sublime. Ele veio me falando da mulher, dos filhos. Imagine! Já passou pela cabeça dele que eu posso ter pego meu casaco, meu chapéu e calçado as botas pra escapar de um lar assim? Não era o caso. Naquela noite.
E continuou descrevendo sua vida de trinta anos empregados em um emprego que não exige mas não afrouxa, uma esposa muito amável e satisfeita, dois bons filhos que se dão bem na escola e tementes a Deus. Me mostrou fotos no celular e as 3x4 deles na carteira. Mas só passei os olhos, alguém já tinha me contado sobre o homem. Foi uma tragédia, dizem.
Engoli uma quantidade de álcool que me fez contrair o rosto. Mas não engoli aquela baboseira. Ele então se levantou em silêncio e deixou um suspiro ao voltar pro mundo real. Com os olhos, tentou achar uma desculpa e partiu depressa. Não fez por mal, de certo. Seu olhar estava tão perdido quanto sua sorte. E quando se vive uma mentira, é preciso ter sorte.
Todo mundo simpatiza com o Paulo Tigre. Na verdade, esses aí têm é medo de acabar como ele. Há destinos piores, claro, mas fadar-se a uma ilusão é um fundo de poço mental. Quando levantei, ele já tinha saído do bar e com ele, o conteúdo das 7 doses de cachaça com butiá que ele pediu. O barman não deixou eu me afastar do balcão. Tudo bem, o desgraçado me ganhou. Paguei todas complacente. Não se pode fazer nada, ele vai acabar duro, gelado e sozinho. Eu só tratei de mantê-lo aquecido por aquela noite. Quando abri a porta, pisei na poça de mijo que se alargava com o ruidoso fluxo do meu dinheiro sendo expulso da sua bexiga. Ele se virou e o arco dourado pousou sobre os meus pés. Enquanto tentava manter-se fixo no meu campo de visão, tocou meu ombro com a mão desocupada e agradeceu por eu ter pago as bebidas. De repente, quis saber quem era aquele filho da puta. Tão desesperado por um pouco de atenção e cortesia, Deus, quando é que ele vai acordar? A esposa tão jovem e os filhos tão bonitos. Uma pena, de verdade. Mas não vou ser eu quem vai acabar mandando ele prum hospício. Pra que se incomodar?... Ele é completamente inofensivo, só um cara que não consegue viver a própria vida, quantos mais você acha que vai conhecer ao longo da sua?


14 de set. de 2011

Bem a calhar

Ramiro Simch
@miroez

o coelho que coelha
colhe os frutos da colheita
na colheita, que coelha!
corre lá, não faz desfeita


coelhamos, nós e ele
construímos nosso lar
virtual, acolhedor
coesão? a consultar

12 de set. de 2011

Nicole

@pv_lopes


Talvez nunca houve cabelos ruivos que tivessem tanta  sintonia com as ruas do Bom Fim como os de Nicole.  Lisos, balançados pelo vento, encantavam aqueles que andavam pelo brique na manhã de domingo.

Volta e meia ela os prendia, e com eles a respiração dos seus admiradores. Alguns deles achavam que a moça morava na João Telles, outros na Garibaldi, mas o que realmente sabiam era que a Redenção, nos finais de semana, era o lugar certo para encontrá-la.

Certa vez, por volta das 16 horas, estava ela, vestido claro, faixa no cabelo, sentada na grama. Na mão uma taça de vinho branco; dentro da cesta alguns petiscos e uma taça sobressalente. Escorada em uma árvore, sorvia aquela bebida como alguém que abre  as janelas para deixar o sol iluminar a casa e a vida. Por vários minutos permaneceu de olhos fechados, gozando de uma felicidade particular capaz de irradiar o que estava ao seu redor. Todos pensaram que alguém chegaria para fazer companhia, porém após quase duas horas Nicole guarda a taça que usava e vai embora do parque.

Mais uma semana envolta por mistérios. Discutiam como fazer para descobrir sobre aquela moça que semanalmente aparecia para alegrar as suas vidas. Decidiram que um deles tentaria se aproximar dela.
Dedicaram a semana inteira para pensar na melhor forma de iniciar uma conversa com ela, e, principalmente, escolher quem faria isso.

Era manhã de sábado, um dos dias mais esperados por todos. A medida que as horas passavam a angústia tomava conta, movida pela ausência daquela que há cinco finais de semana se fazia presente.
Algo nela dizia muito a todos que frequentavam o parque. Para eles, Nicole representava mais que uma moça de traços finos, ela carregava erotismo de uma forma sublime, como alguém que empurra com um sopro a pena que pousa sobre a água.

O sol já estava quase se pondo quando ela apareceu, mochila nas costas, óculos escuros e fones nos ouvidos. Seguia em passos rápidos, impenetráveis, não deixando chance alguma para desvendá-la. Essa incerteza causada por ela abriu um espaço gigantesco para as suposições mais diversas possíveis. Todos já pensavam em desistir de conhecê-la, deixá-la apenas presente na imaginação coletiva. No entanto as coisas não mudam nessa velocidade, nem o hábito de visitar o brique no domingo.

- Bom dia! Uma pipoca.

A explosão de euforia dos admiradores de Nicole foi mais forte que as pipocas saltitantes no carrinho. Ela estava ali, bela, com um grande sorriso no rosto, pedindo pipoca. Finalmente alguém conseguira ouvir a sua voz.

-Doce ou salgada?

11 de set. de 2011

Eu sou um samurai

Gabriel Simch
@gabrielsimch

Eu sou um samurai. De onde vem o meu foco? Do meu desespero. De onde vem minha coragem? Do meu medo. De onde vem minha força? Das minhas palavras. E o meu orgulho? Admito: sou orgulhoso, mas não aplaudo orgulho sem lastro, admiro a superação e a garra. A coragem.

O medo de errar vem junto, contudo, os passos foram contados antes de dizer sim, dizer não, de apertar ok. E não é o medo que vai me parar, se eu cair eu vou me levantar como já levantei várias vezes. Sei que tenho capacidade de me erguer até o topo, de mudar e de ensinar, e também de aprender.

Mesmo que eu perca a próxima batalha, ser um derrotado não faz meu estilo.


9 de set. de 2011

Minha Utopia

Ana Elizabeth Soares
@anabebeth

Então eu acordo e tento olhar ao meu redor. Vazio. Um imenso nada de uma cor que não existe. Estou flutuando de uma forma antes pensada impossível, talvez isso seja a gravidade zero. O som também não existe. Não escuto nada, não vejo nada, não sinto nada. Não sinto nada com o tato. Parando para pensar, não possuo tato, não possuo corpo.

O silêncio é, de alguma forma, o poder mais intenso dessa coisa/lugar onde me encontro. Me pergunto se realmente me encontro em algum lugar. Aqui o tempo e a mera existência que somos acostumados não fazem sentido, nem pensam em acontecer. Tento organizar meu pensamento, se é que consigo pensar. Levitação é uma palavra que eu poderia tentar utilizar para descrever essa sensação. Mas, entende, o estado em que me encontro é indizível. Ele, de fato, não existe.

De qualquer maneira cá estou, atônita, tentando decifrar o que estou sentindo (se realmente estou sentindo algo). Êxtase, o cúmulo da paz interior e exterior. Eu e o nada, eu no nada, eu sou nada. Eu sou tudo. Esse vazio de alguma forma está me completando. É como se eu estivesse mergulhada em um mar de algo denso e ao mesmo tempo tão leve como uma brisa. Na verdade eu não estou nesse mar, eu sou esse mar. Não possuo mais matéria. Estou misturada nessa imensidão, partículas, penso que menores que os átomos, que são eu mesma, se fundem nesse grande vazio. Mas espera aí, estou sentindo alguma coisa a mais.

É uma força ainda mais intensa que o silêncio, essa força agora também faz parte de mim. Ela entrou completamente nesse vazio. Agora me sinto, de fato, completa. Não peça para eu explicar, isso não existe, isso é o nirvana da alma. Ah, agora faz sentido.

Sou completa, pois sou só alma. Sou completa pois essa força que chegou é a tua alma. Ápice da veemência nessa utopia. O encontro das almas da forma mais pura que se possa imaginar. Não tenta imaginar, é impossível. O impossível aqui, nesse espaço atemporal é a única coisa possível. O deleite prolongado ao máximo, a alma lépida para sempre.



8 de set. de 2011

Canto sem melodia por uma terra dona de si

Ramiro Simch
@miroez


está cansada, a terra
geme baixinho sob a árida casca.
a urbe esparrama-se quente no solo
grossa, agonia em matéria
grudenta como suor seco depois de um janeiro
ou de um jogo de futebol.
a terra está cansada
amordaçada por uma tensa malha [viária
machucada não apenas na superfície
mas no subterrâneo, no subcutâneo
no submundo e no submar.
ela precisa retorcer-se
dar um sacolejo de acordar as cordilheiras
dispor, mais uma vez, como um cão indolente
seu chão natural, fofo, ao carinho solar.
basta de pavimento!
que as lajotas voem [até as estrelas
a terra grita:
- me quero de volta!

5 de set. de 2011

Maturidade

@pv_lopes


Cada situação necessita de um momento certo para que possa fazer sentido. Como a amizade, como os discos do Belchior. 

Como as canções do Roberto, em momentos brilhante, em outros deprimente. Contudo não é apenas ele que muda,  nós também mudamos. Passamos a entender que "daqui pra frente tudo vai ser diferente". Começamos a notar que a maturidade está chegando a passos largos, disposta a brindar com resultados todas as inquietações de dias passados.

Disposta a causar um turbilhão para depois oferecer a calmaria. Disposta a transformar todas as lágrimas em sorrisos fartos, alegria frequente. Disposta a não permitir que a acomodação tome conta, a manter "a mente inquieta, a espinha ereta e o coração tranquilo."

A maturidade que nos faz entender o momento e necessidade de cada um, de perceber além do olhar.

1 de set. de 2011

(in)justiça, (out)justiça


 Ramiro Simch
@miroez

Eu larguei de mão a Justiça Divina, cara. Não tenho paciência nem sangue de barata pra esperar o humor de alguém me contemplar. Tenho usado a tal da Justiça Com As Próprias Mãos, tá funfando, tá massa. Mas o cara gasta muito com equipamento...

Pois é, tô ligado nessa. Foda que é meio que politicamente incorreto, né? O cara tem que fazer tipo na camufla.

Ah, meu, eu não to nem aí pra essas merdas. Se o cara for se pautar por isso não rola. Passei a vida toda corretinho, fazendo tudo “certo”, e só tomei no cu. Antes da Divina eu ainda tentava com a Justiça Federal, mas virou palhaçada. Me alcança o Mu-Mu aí.

Ah sim, certo... A Federal já tá obsoleta, virou produto vintage. O esquema não se atualizou, parou no tempo.

Não rola uma proximidade com a gurizada. E quando a gente ouve alguma coisa, é ruim. Já era.

Sim, sim, nem cogito. Bah, não curti essa margarina.


29 de ago. de 2011

Quanto tempo?

@pv_lopes

Deveríamos ter um mínimo controle sobre o tempo. Não precisaríamos viajar através dele, apenas poder retardá-lo ou acelerá-lo um pouco. Sem rewind, pois se houvesse a vida teria menos graça.

Um tempo mais lento para poder viajar  com o Arthur Dent até o restaurante do fim do universo ou conhecer as histórias de Caulfield.

Um tempo a mais para entender...o tempo. Para descobrir o tempo certo de uma xícara de chá, da distância entre um olhar e um sorriso, da duração da música que antecede a partida.

Um tempo para se dar conta que ele passa. Que ele muda o caminho das pessoas, aproxima algumas e afasta outras. Apaga algumas coisas e eterniza o que é importante.

Um tempo para descobrirmos logo o que é realmente importante antes que seja tarde demais.

Quanto tempo tu precisarias?





27 de ago. de 2011

Sobre um sonho


Ariel Engster
@ensta



Faz poucos dias, sonhei que tocava tamborim. Num bloco de carnaval. E sorria muito e o samba era um do Adoniran. Que eu acho que nem tamborim tem. Mas em sonho pode, né? E assim que terminou o Adoniran nós - eu e os milhares, ou centenas, de rostos amorfos suados e sorridentes - cantamos:

Eu vou brincar o ano inteiro nesse carnaval/Não vou deixar que a cinza venha e suje o meu quintal

Foi aí que eu já não tocava tamborim, mas violão e já não estava na multidão, mas sozinho, enfim. E tudo que eu queria era gente à minha volta, que tocassem tamborins e suassem, que tivessem sorrisos em caras amorfas e fizessem coro ao meu canto/lamento:

Eu quero é botar meu bloco na rua/Brincar, botar pra gemer

Surgiu então a menina com quem sonhei noutro dia. Ou acho que sonhei, já que várias vezes eu sonho e no próprio sonho eu penso "eu já sonhei isso/com essa pessoa" e quando eu acordo eu reflito e chego à conclusão que não, que aquela fora a primeira vez que eu sonhara com aquilo/aquela pessoa. Mas é mais bonito acreditar que eu já sonhara com ela.
Surgiu então a menina com quem sonhei noutro dia. Ainda bem que se vestia do mesmo jeito que no outro sonho, pois sua voz era diferente, o rosto também, os trejeitos também, o nome também (mas eu não lembro qual era o nome). Eu levantei e cruzei o salão onde agora estávamos, peguei sua mão e a convidei para dançar.
Não era valsa, nem polca. Não era sequer uma rancheira. Era Asturias, tocada por um taciturno violeiro. E eu juro, ah! eu juro, que éramos o casal mais belo que já dançara qualquer música em qualquer salão. Éramos rodopios, saia girando, meu passo conduzindo a moça. Só nos assistiam gárgulas na escuridão. A música fazia-se infinita e aquele amor que eu sentia, que era febril e inconsequente e que poderia levar adiante aqueles giros eternamente, tornou-se triste e cansado e então eu vi: que ela já não era quem eu sonhara, que não havia música no salão, que tampouco era eu quem sonhava...
Era eu, o último trompetista, solitário, a tocar a decadente marcha de carnaval que eu mesmo compusera, numa sarjeta enquanto o sol nascia. Esquecendo tudo e todos que antes ao meu lado estavam. Suados, amorfos, sorridentes. Era eu, o derradeiro homem a ver o derradeiro céu. Era eu, eternamente só, cantando:

Se você jurar que me tem amor/Eu posso me regenerar


25 de ago. de 2011

People are strange

Ramiro Simch
@miroez

Estranho pensar nos outros como outros eus tão complicados quanto eu. Egoísta, estranho. Todo o universo que carrego e desenvolvo dentro de mim, com o qual convivo e que me machuca e desafia e – vez ou outra – me alegra, a mais complexa e instável plataforma de ideia e pensamento que cada um de nós pode conceber (cerceados por ele próprio, claro: ele delimita ele mesmo), todo esse universo é irmão de outro igual que vive dentro do outro, e de outro que há na outra, e dos outros no resto dos outros.
Estranho pensar no nosso egocentrismo. Isso é tão óbvio.


22 de ago. de 2011

Detalhes

@pv_lopes


Volta e meia o assunto são os relacionamentos. Aqueles que foram rápidos, que perduraram, deixaram marcas ou apenas resquícios na memória.
No final permanece as boas lembranças. Os passeios no parque, a pipoca doce no Gasômetro. 

O vazio costuma ser grande, nada parece substituir a pessoa amada, ou não mais tão amada. Algumas vezes o fim vem sem que seja desejado e acaba sendo mais forte. 

Nesses momentos todos tentam consolar, oferecer palavras de carinho, mas é preciso entender que o luto pelo fim é necessário. O ciclo precisa ser fechado.

É preciso ficar só, colocar aquele disco do Roberto Carlos para tocar. Compreender o que aquela pessoa representou e ainda representa. Entender o que se quer nessa nova fase.

No final de tudo fica evidente que todo relacionamento serve para tornar cada um mais forte, sensível, tranquilo. 

19 de ago. de 2011

Sobre nossas cabeças


Paulo H. Lange
@ph_lange

- Conheci um urubu ontem à noite. Três deles. São pouco espertos, mas circulam em bando por isso. -

Sabe o que pareceu? Que eram abutres, urubus... É que tava na cara que eles só queriam uma desculpa, eles tavam desafiando elas, e, claro, elas compraram. Mas tá certo, tem que comprar, mesmo, ainda mais que a gente tava em terreno inimigo, sabe? Sentados num café 24h na Padre Chagas... Te explico como chegamos lá noutro dia, enfim; 

Sabe o que eu detesto naquele lugar? É que tu sabe que vai encontrar esses tipos lá. Ele é o cara que tem sempre novos amigos, os que têm cérebro e conheceram bem ele, ficaram pra trás. Mas o que importa é o prestígio, o cara é um merda, mas ele tem prestígio. Tá, tô ficando meio teórico, vou deixar este copinho de suco de cevada mais de lado; suco de cevada, conhece essa? É do Mussum, aquele cara era um gênio. 

MAS... Voltando pro assunto, os três, esse bem coroa, um demagogo no sentido mais completo da palavra, tá ligada? Um cara que acha que conquista as pessoas só porque fala mais alto e diz que não tem medo de dizer o que pensa. Ele acha que é um diplomata, de certo, só porque consegue dizer "com todo o respeito" antes de te insultar, o cara que ri alto pra que todo mundo veja que é hora de rir também... Não, eu sei, parece triste, mas até que não é... Ele tava junto duma típica profissional em arranjar relacionamentos passageiros com homens mais velhos e ricos, então o velhote ia poder dar umas com uma mulher mais nova. Sabe o que me irrita? É que ele é um merda, mas sempre vai ter alguém pra dar uma masturbada no ego dele... E tinha um outro cara, que faz a linha "moderado em tudo", quem puxou o papo com a gente: "Qual é a treta?". Pobre coitado, aos 30 anos, e já usando Grecin 2000, quer ser incluído em todos os círculos.

Eu poderia falar tanto deles. Mas vou ser breve, entendo que a essa hora, é difícil de acompanhar e eu mesmo não tô conseguindo organizar os pensamentos na minha cabeça. Estávamos nós 4, e fora eu, os três eram gays. Não, minha cara, pode confiar no pai Tigre, aqui. Ah, mas eu sei, me garanto. Podia até te mostrar, mas aqui no meio da rua às 2 da tarde, iriam querem nos prender e eu te digo uma coisa, só paro depois da terceira... Haha! Então, eu era o único hétero, e, tá, deu! Deixa eu contar, poxa. Dúvidas sobre a minha masculinidade eu só respondo na prática. Ok, então. Aí, as duas garotas se beijaram, um beijo mesmo. Ser hétero nessas horas é cruel. Como diria o Raul, onde é que eu me encaixo? E a gente tava meio perto da mesa deles. Eventualmente, como eu disse, o cara puxou assunto com a gente e o assunto acabou entrando nisso e, pra resumir, o careca acabou tentando fazer elas explicarem como é ser lésbica. Algumas suposições a mais e logo esta perfeita descrição da demagogia ambulante comparou homossexualismo com pedofilia. E pronto, agora tínhamos seis pessoas falando alto e dando sua letrinha. Mas aí que vem o troço do urubu, eles ficaram rondando, só ouvindo a conversa, observando a maneira de como uma tratava a outra e dando aqueles risinhos um pro outro de "essa juventude tá se perdendo" e negando a cena com a cabeça. Estavam à espera de que elas definhassem pra mergulhar até o chão e se alimentar da carniça. Não! Não tô xingando ninguém! Mas tipo, que falassem alguma coisa errada, meio confusa e então iam rebater e sei lá, entrar numa discussão em que o cara dissesse "vocês são muito novinhas" ou que insinuasse que isso era um "ímpeto de transgressão" que elas tinham que exteriorizar. E, de fato, foi isso que aconteceu, o cara conseguiu. Não tô dizendo que elas foram ingênuas de comprar a discussão, mas é essa coisa de ficar à espreita, circulando sobre as nossas cabeças, pra espalhar suas certezas sobre a vida e suas conclusões sobre a natureza humana.  

Deus do céu, certas pessoas amaldiçoam essa terra só por existir.


15 de ago. de 2011

Adéu, Barcelona

Eu apostei na mudança de cidade para buscar uma vida melhor. Muitos fazem o mesmo e encontram cidades com encantos invisíveis para aqueles que nasceram nela.

O café de determinada rua, a feira do final de semana. O sotaque diferente, a maneira diferente de ver a vida. Vivência extremamente enriquecedora.

No entanto, às vezes esquecemos de retribuir à cidade o que ela nos oferece.

Foi o que aconteceu neste vídeo.




12 de ago. de 2011

O Empalhador de Zebras - capítulo V

Ana Elizabeth Soares
@anabebeth

Depois de ter tornado minha cabana habitável novamente, trocando algumas madeiras e consertando a maioria dos móveis, resolvi transformá-la, enfim, num lar. Os finais de tarde, tempo que dedico aos meus pensamentos e ao pôr-do-sol africano, meu combustível, acabaram me inspirando. Consegui com os vizinhos alguns tocos de carvão e deixei a imaginação e o desejo fluírem nas folhas de papel.
Hoje, depois de outra busca sem sucesso ao médico austríaco, emoldurei dois pequenos desenhos que fiz retratando a savana e pendurei-os na parede da sala, que também é meu quarto.

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Estou me sentindo cansada e desmotivada. Chega o entardecer, porém nem o pôr-do-sol quero ver. Pretendo dormir cedo. Amanha é um novo dia, uma nova esperança, preciso acreditar nisso. Adormeço em meio a pensamentos sobre minha jornada diária frustrante, sem nunca obter respostas concretas. Imagens e sensações permeiam minha mente, zebras, zebras, alguém de chapéu carregando-as. Devo estar sonhando. Não sei quanto tempo se passa. O telefone toca, não quero atender. O barulho incessante do celular me desperta. A voz no telefone diz só três palavras. Corro para a porta fazendo perguntas. Meu coração para.
A paisagem do meu pôr-do-sol está manchada de sangue.
E os cabelos dele, ao entardecer, ainda mais dourados.
Aquele olhar, mesmo ao longe, causa um calafrio sem igual. As feições angelicais definidas por uma única cicatriz na têmpora esquerda. O rosto do médico, marcado pelo assassino.
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Eu saio correndo, sem pensar, em direção à camionete que avança, cada vez mais rápido, na direção oposta à aldeia. Aos poucos vou perdendo o fôlego.
Olho para trás e avisto um vulto cada vez mais próximo. É a última coisa que vejo antes dos meus olhos se fecharem.



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capítulo I
capítulo II
capítulo III
capítulo IV