4 de mai. de 2012

Moisés, o mago




Ele abriu o mar com as mãos. Nuas. Enrugadas. Trêmulas. Os dedos nodosos tremiam cadenciadamente. Seus olhos reviravam para o interior do crânio, mergulhando na escuridão interna.

As águas turvas tornaram-se revoltosas. Lutavam contra si mesmas, contra a ordem natural. Torciam, giravam, ondulavam em cruciantes redemoinhos. A imensidão cerúlea, como um espelho salpicado de nuvens ― meros reflexos do firmamento ―, perdia o controle.

Antes inexoráveis, as ondas turbilhonavam às ordens taciturnas do homem sagrado. De cima de uma grande pedra, promontório de tantos sacrifícios, firmou suas palavras sob as águas daquele que carrega as três pontas. Ele agora as comandava.

Perplexas, cabeças olhavam admiradas. Incrédulas à força desumana, talvez ousada, comparável só então à de Deus, que aquele homem tinha. Nem todos os terremotos enviados para punir os pecadores seriam capazes de causar tal cataclismo. Em frente aos olhos brilhantes o mar se dividiu em dois. Um caminho de ida ladeado por falésias molhadas. Peixes seriam as únicas testemunhas dos escolhidos para enveredar os pés por terra lamacenta.

E assim, partiram.

Audacioso Moisés com seus poderes mágicos, capaz de impressionar olhos humanos, mas não de ludibriar aqueles que nunca morrem.

O mago não pensou que sua ofensa seria percebida aos olhos do senhor das águas, pai das ondas. Poseidon dos olhos coralíneos não aceitaria tais agressões. Os que desonram sua casa e sobrepujam seus poderes devem ser punidos. Severo é o fim para aqueles que desafiam o filho do Titã.

Apoio não faltou. Sua esposa, das curvas sinuosas como o curso dos rios, jurou morte àquele que adentrava a pé a morada divina. Tétis, viajante das ondas espumosas, também estava lá. Ainda chorava lagos pelo filho que expirou na cidade de altos muros. A mãe que perdeu o filho, porém, sabia que a tristeza da morte dilacera a alma e enfraquece o coração. Teve pena do atrevido Moisés e suplicou por sua vida.

A Ira do domador da rebentação abrandou-se nas lágrimas da nereida. Prometeu que com a morte não juraria o mago. Contudo, severa punição não lhe escaparia o destino. E assim que deixou os paredões de água marinha, encontrou um largo deserto.

O imperador das profundezas escuras jurou-lhe quarenta anos perambulando pelas ondas de areia. Jamais encontraria o caminho de casa antes que todos os dias queimassem. Nas areias quentes, fulguradas pelos braços do astro brilhante, os pés de seus companheiros tornaram-se rubros, ardentes. Pele encolheu seca, quebradiça.

Água lhes faltava. Água não teriam.

Culpado por Podeidon, senhor do mar, Moisés com os olhos enevoados pelo poder do imortal andaria em círculos, longe das águas que uma vez ousou controlar. Na secura do deserto não há sinal de oceano. Os poderes do mago, no calor intenso, provaram-se inúteis por longos quarenta anos.


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Um comentário:

  1. Grande Gus! Finalmente mostrando ao mundo seu talento como escritor. Parabéns, brother!
    Ps.: Lembrei de uma ideia tua sobre um dente de leão gigante (acho que era isso, né?). Quero ler um dia. (:

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