1 de ago. de 2011

Navalha

@pv_lopes


Ele é aquele que acompanha o teu crescimento. O teu primeiro corte de cabelo, a mudança de estilo, a franja para tapar aquela pequena cicatriz.

Não precisa pedir, basta sentar na cadeira e ele já sabe o que fazer. É uma pessoa bem informada, fala de esporte e política. Um pouco de história também é com ele. Principalmente histórias um pouco duvidosas, repletas de detalhes.

Em alguns momentos da vida mudei de cidade e infelizmente precisei deixá-lo. Ele compreende a ausência e deseja sorte. Sempre que possível volto à cidade e dou aquela passada para colocar a conversa em dia.
Fala-se sobre o tempo, o time, o governo e para finalizar sempre vem uma receita infalível.

Na nova cidade, nova barbearia. O ritual recomeça. Menos mal que logo tudo volta ao normal e o novo barbeiro já lembra como cortar o cabelo. No entanto alguns contratempos acontecem, entre eles as férias. Sim, barbeiros também tiram férias e normalmente são nos dias mais cheios, onde a passada rápida na barbearia não pode ficar para outro dia.
Quando isso acontece, a barbearia está quase vazia e o barbeiro da cadeira ao lado está sentado no sofá lendo o jornal. Não adianta entrar e perguntar pelo barbeiro de sempre, ele irá dizer que está de férias e sem tomar fôlego já o convida para sentar e cortar o cabelo.

Por alguns instantes hesitei o convite, mas a necessidade imperou e aceitei. Contudo, permaneci em absoluto silêncio. Apenas acompanhei cada movimento, tomado por um sentimento de culpa. A cada deslizar da máquina parecia acompanhar um pedaço da lealdade. Acredito que logo após a minha saída, o barbeiro telefonou para o seu colega, sem pudor por estar atrapalhando as férias, para contar o que havia acontecido.

Foi um pequeno deslize, por necessidade. Espero que seja compreendido, caso contrário corro o risco de ser decapitado com uma navalha de pouco fio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário