5 de ago. de 2011

Vida e Mortes de um Viajante - Parte I

Gabriel Oro
@orofeelings

O que melhor me lembro é que estava muito frio. Eu fumava rápido para poder acender logo o próximo cigarro. A neve já não nevava mais, o vento já não ventava mais, só havia ele. O frio.
Apenas cinco minutos restavam entre e a meia noite e eu, os casacos pareciam não fazer muita diferença naquele momento. O único poste na quadra marcava o meu posto de espera e projetava a sombra aos meus pés, pequena, tímida. Poderia estar tentando se esconder, certamente é o que eu faria. Ficar esperando em uma rua de cidade grande, tão acostumada com o movimento, mas naquele momento tão completamente, tão agressivamente deserta e silenciosa, traz uma sensação incomum, como que se devesse estar sendo observado... mas não se está. A hora se aproximava e uma camada de chuva – tão fina que mal podemos chamá-la assim – cercou-me completamente, sem fazer barulho algum, levantando uma lenta fumaça transparente do poste sobre minha cabeça.
Qualquer homem teria medo em meu lugar, não há como parar no meio da rua esperando um fantasma no frio gelado da noite, e não sentir medo. Mesmo que este fantasma ainda esteja vivo. Peguei mais um cigarro, levei-o a boca, acendi um fósforo, mas ele dançou por um segundo e morreu na minha mão, vencido por aquela chuvinha rala. Acendi outro fósforo e me curvei com a mão sobre ele.
Naquele momento, senti algo sendo encostado levemente contra minhas costas. Estremeci. Já fiquei sob a mira de uma arma vezes o bastante para saber o que estava acontecendo. Uma mão de couro negro apareceu a minha esquerda, sinalizando que ficasse quieto. Se há uma coisa que a minha profissão ensina é que a pessoa que não está apontando a arma não tem direito de voto. A mão sumiu por um instante e voltou com um pequeno pacote, que foi cuidadosamente colocado no bolso de meu casaco. A pressão nas minhas costas sumiu, ele se virou e cobriu em quatro passos a pequena distância até a esquina. Tudo isso não levou dez segundos, eu nunca sequer vi seu rosto.
Assim que o choque passou, perdi a força nas pernas. Me segurei no poste por um instante e em seguida soltei-me no chão, respirando rápida e profundamente. Aquela chuva fraca começava a se transformar em neve, era melhor ir embora. Caminhei sentindo nas costas o peso do pacote em meu bolso, mas acalmado pelo fato de que a neve cobriria as minhas pegadas pela manhã. Essa é uma das grandes vantagens do modo como eu vivia, o passado pode ser escondido tão facilmente quanto pegadas na primeira neve da noite.
Mesmo assim, não conseguia deixar de pensar sobre como havia entrado numa situação como aquela, como havia chegado tão longe naquele mundo onde todos são invisíveis. Pensei no que havia me levado até lá aquela noite, pensei no dia em que fugi de casa, pensei na menina que vendia livros em minha cidade.
Pensei na primeira pessoa que havia matado.

Fim da parte I

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