8 de jul. de 2011

Sergei Romanov

Gabriel Oro
@orofeelings

Sabe, os russos...

Outro dia cinzento era só o que outubro trazia para Sergei Romanov.
Suas roupas tinham a cor daquela manhã fria, e aquela manhã fria tinha a cor de seu espírito. Sergei morava na pequenina vila de Kotelniki, ao sul de Moscou, desde que nasceu há quase trinta anos atrás. Seu trabalho também era pesado e cinzento, operava a prensa do único pequenino jornal da cidade, o que significava trabalhar por toda a madrugada e ir embora no meio da manhã, com a tinta preta nas mãos contrastando com sua pele muito, muito branca. O curioso é que ele nunca conseguia tirar a tinta das mãos completamente, antes de voltar ao trabalho na noite seguinte e se sujar de novo, tornando-as permanentemente acinzentadas.
Sergei era um homem simples, morava em um apartamento simples, em geral reservado, um homem que não gosta de ser incomodado. Sua cidade, suas roupas, seu emprego, tudo refletia aquele ambiente branco, preto e cinza.
O que só lendo minha descrição vocês ainda não descobriram é que ele na verdade gostava do branco e preto. Gostava não, ele amava o branco e preto. Aquelas duas cores representavam para ele a paixão, a raiva e a alegria, o orgulho e a decepção, a esperança e o desespero.
E o que só lendo minha descrição vocês ainda não descobriram, é que ele gostava de futebol, e branco e preto eram as cores do FC Torpedo Moscou, para Sergei Romanov, o melhor clube do mundo. O Torpedo criava, do preto e do branco, o ponto mais colorido do coração de Sergei.
Casualmente o destino providenciou que ele não conseguisse dormir aquela manhã. Uma prensa antiga como a de seu jornal fazia tanto barulho que, após alguns anos, o silêncio começava a incomodar. Era quase meio dia, Sergei preferiu ir atrás do almoço. Andou, passando por vários restaurantes, alguns muito cheios, muito alegres, muito grandes, muito caros. Chegou no último da cidade, um barzinho que servia almoço. Sentou, pediu o especial do dia com um copo de vodka e outro de água e esperou. Olhava ao redor, uma senhora da idade de Stalin, se estivesse vivo, terminava sua refeição num canto. Um homem lia o jornal que Sergei havia impresso poucas horas antes, no canto contrário do bar. E este foi o problema. Por cinco segundos, o jornal capturou o olhar de Sergei e nesse tempo, o homem baixou as folhas para virar a página.
O que só lendo minha descrição vocês provavelmente não sabem, é que o Torpedo é diferente dos outros times da Rússia. Foi campeão nacional da União Soviética, ganhou vários títulos importantes em sua longa história mas, recentemente, foi também condenado pelo tribunal desportivo a disputar a última divisão nacional. O motivo, foi fraude fiscal. O motivo da fraude, foi lavagem de dinheiro. O motivo da lavagem, foi um grande roubo. O autor do roubo foi um cartola chamado Syrio Valov.
É claro que era Syrio Valov lendo aquele jornal.
Ele lia e comia, o mesmo prato. Chegou a refeição de Sergei também, que comeu sem sentir o gosto do bife. Estava duro, muito passado, o de Syrio Valov parecia macio e avermelhado, tinha consideravelmente mais molho e o acompanhamento estava com uma cara muito melhor também. Parou de ler o jornal pra tomar um gole de um líquido... âmbar? Ele não tomava vodka, tomava uísque. Aquilo já era demais.
Infelizmente, Sergei Romanov não pôde estar no jornal para imprimir o próprio rosto na capa, no dia seguinte.


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