4 de jun. de 2011

Guichê nº1

Ariel Engster
@ensta


Quando eu morava em São Leopoldo, ia quase toda semana pôr alguma carta no correio. Não que eu tivesse tanta coisa pra falar, nem tanta gente pra quem escrever. O que me motivava estava atrás do guichê nº1, o único em que eu ia, mesmo que os outros estivessem vazios. O motivo era Letícia.
Não queria admitir, mas ela era loira. Vai parecer que só há espaço para loiras em minha vida, o que não é verdade. Em todos os casos, Letícia era. Aliás, Leka. Era o apelido dela. Pelo menos eu imagino que era, já que estava escrito com corretivo sobre o perfurador dela, com uma estrelinha sobre o “e”. Belo por demais.
Um dia resolvi escrever para ela. Uma atitude louca, totalmente reprovável. Naqueles dias, entretanto, pensar não era algo que eu fizesse muito. Peguei a caneta, peguei o papel e pus-me no trabalho.

No dia seguinte, fui até a agência. Entrei e a vi, tão formosa, no guichê nº1. Toda de azul, com seu antebraço à mostra (eu era apaixonado pelo antebraço dela). Comecei a tremer de nervosismo.
Andei poucos passos até chegar à sua frente. Não havia fila. Curiosamente, não havia ninguém mais na agência – nem no guichê nº2, que sempre era ocupado por uma velha ranzinza que, aparentemente, não gostava de minhas visitas. Enfim, estávamos sós. Perfeitamente sós.
Pus a carta sobre o guichê. Ela olhou para a carta, olhou para mim. Sorriu e disse:
“Pra quem a carta, dessa vez?”
“Pra ti.”

Ela paralisou-se. Desfez o sorriso e olhou pra mim, meio envergonhada, meio perdida.
“E diz o quê?”, perguntou.
“Diz o que me fez vir tanto aqui. Por que tantas cartas. Por que sempre neste teu guichê. Explica como tu me ajudou a não enlouquecer e de onde veio a coragem de escrever. Escrever pra ti, especialmente.”
Virei e fui embora. Naquele fim-de-semana, fui morar em outra cidade. Nunca mais passei naquela agência. Afinal, odeio filmes de romance água-com-açúcar. Beijo do mocinho e da mocinha no final, nem pensar.

Um comentário:

  1. Bela história, bela história!

    "Diz o que me fez vir tanto aqui. Por que tantas cartas. Por que sempre neste teu guichê. Explica como tu me ajudou a não enlouquecer e de onde veio a coragem de escrever."

    Au revoir!

    ResponderExcluir